Minha primeira gravidez não foi das melhores, infelizmente
fui sentenciada à uma cesárea desnecessária, o que me acarretou uma depressão
pós parto, por quase 24 meses.
Eu não pensava em mais filhos, minha filha tinha um apego
extremo, não aceitava ninguém além de mim. Pra mim, era inviável pensar em
outro filho.
Ela nasceu no dia 05/8/12. Era domingo e prometi a mim mesma
que nunca mais colocaria os pés no hospital particular aqui da cidade, de tão
maltratada que eu fui, parecia que havia cometido um crime por estar internada
num domingo, indo “pro abate”. Eu deveria me sentir feliz por logo ter minha
filha nos braços. Mas eu não conseguia. Eu só conseguia chorar. Após 8 horas na
sala de recuperação, fui pro quarto, após 20 minutos, me levaram-na limpa,
vestida com o macacãozinho rosa, com touca de ursinho, que havia comprado pra
esse dia.
Nunca mais queria passar por isso, novamente. Quando me
perguntavam: não quer outro? Eu rapidamente respondia: “não. Nunca mais. Minha
filha já vale por 10 crianças juntas.”
Eu sempre fui muito cuidadosa com os métodos
anticoncepcionais. A pílula havia falhado uma vez, então, eu tomava MUITO
cuidado com os horários, para que não tivesse problemas novamente.
No dia 13/12/14, acordei me sentindo extremamente enjoada,
cansada, querendo só ficar deitada. Estranhei o enjoo, só havia sentido igual
quando havia ficado grávida. Um alerta se acendeu e me senti preocupada: além
de todos os problemas que citei acima, havia um mais grave: estávamos completamente
sem dinheiro, vivendo de empréstimo do banco, já que pessoas de nossa confiança
simplesmente não honraram as palavras delas e portanto, nos colocando em uma
situação financeiramente muito complicada. Tínhamos um imóvel para
vender, mas enquanto não era vendido, a situação era bem difícil.
Saímos para passear com nossa filha, na volta, eu precisava
passar pela farmácia, aproveitei e comprei dois testes de gravidez.
Eu já estava há algumas horas sem urinar, era o suficiente
para fazer o teste.
Chegamos em casa, falei para meu marido: comprei um teste de
gravidez, para tirar a dúvida, acordei enjoada, mas acho que é cansaço.
Almoçamos e assim que terminamos, criei coragem e fiz o
teste.
Positivo, pra meu desespero.
“Me mato agora ou quando nascer?” Essa foi a unica frase que
consegui dizer ao meu marido. Ele me pergunta: “o que aconteceu?” “Estou
grávida novamente.”
Enfim, os primeiros dois dias foram estranhos, era um
sábado, passei o fim de semana todo pensando no que fazer da vida.
Na segunda feira após o teste, marquei consulta com meu
ginecologista, que não acreditou em mim e me pediu um beta quantitativo (aquele
que informa sem precisão as semanas de gravidez), que revelou entre 4 e 5
semanas. Pelas minhas contas, eram quase 5 semanas, contando que nesse período,
seria a semana final do mês de novembro, que realmente foi “intensa”.
Enfim, eu ja me sentia um pouco mais contente, eu já sabia
como funcionava uma gravidez, eu já sabia que se eu quisesse meu parto vaginal,
eu teria que ir para São Carlos, aqui, o máximo que eu conseguiria seria um
parto carregado de intervenções, ou um parto domiciliar. Mas parto domiciliar
não era opção para meu marido e eu não me sentia muito confortável, pois seria
um VBAC (vaginal birth afetar c-seccion), mesmo sabendo que as chances de
complicações eram mínimas, eu não me sentia muito confortável...
Decidimos fazer o pre natal aqui, até a 20 semana, após
isso, começaríamos em São Carlos, com o Rogerio.
Na oitava semana, fiz meu primeiro ultrassom e estava lá, o
bebezinho forte, com batimentos cardíacos entre 140 e 145 bpm. A data provável
desse parto era 17/8/15, pelo ultrassom, mas eu achava que iria nascer após o
dia 23/8/15.
Eu já conseguia me sentir muito feliz, dessa vez eu me
olhava no espelho e me sentia maravilhosa, forte. Sentia que o bebezinho que eu
carregava no ventre, me dava forças e me fazia me sentir linda. Minha barriga
estava redonda, como eu sempre quis, eu só tinha barriga, não havia engordado
nada.
As 23 semanas de gestação, no terceiro ultrassom,
descobrimos o sexo: um menino. Eu nunca havia me visto como mãe de menino e
tinha medo de ter meninos... Diziam que meninos eram mais agressivos, eu queria
ter meninas, mas aquele bebê me fazia sentir tão feliz, tão forte, que pouco me
preocupei com o fato de ser um gurizinho.. Só pensava em como eu estava feliz
com aquela gravidez.
Chegou o mês de julho, nós continuávamos sem dinheiro, já
havíamos vendido os carros, mas não conseguíamos vender o imóvel, não tínhamos
mais como emprestar dinheiro do banco e o dinheiro estava acabando - não
tínhamos dinheiro nem pra doula, fotógrafo e o principal: pro hospital em São
Carlos.
Falei pro meu marido: “eu vou pra Gota. Eu estou
suficientemente empoderada, ninguém me fará de trouxa ou me farão engolir uma
cesárea. Mas eu preciso de uma doula, pois você precisa ficar com
Marianne.”
Meu marido não aceitou a ideia. Ele tinha medo que qualquer
coisa acontecesse com o bebê ou comigo e acabar culminando no término do nosso
relacionamento.
Isso era dia 20/7/15. Talvez tivéssemos algum dinheiro, após
o dia 15/8/15, então, tentei acalma-lo: “acho que o Marcel não nasce antes do
dia 21/8/15.”
O pre Natal seguiu normalmente, tínhamos uma consulta no dia
04/8/15, véspera do aniversário da minha filha; nessa primeira semana de
agosto, um dinheiro que meu marido esperava, mas que não tínhamos muita
esperança de receber, foi pago. Ele me disse: “pode chorar aliviada, temos
dinheiro para o hospital e para a doula.” Eu não chorei, mas me senti muito
aliviada, pois sabia que na Gota eu iria ficar sozinha, já que lá, não é
permitido acompanhante para pernoitar e tampouco a presença de minha filha nem
para visitas, já que na época ela estaria com 3 anos e alguns dias.
Mas na segunda feira, eu me sentia muito estranha, quem me
conhece, sabe que eu não fico muito preocupada porque as coisas não estão
milimetricamente organizadas e nessa segunda, eu estava irritada
justamente porque as coisas não estavam organizadas. Parecia uma tpm
e foi assim até o fim da semana. Uma música que não me saía da cabeça,
era “Anunciação”, do Alceu Valença.
Na quarta feira, 04/8/15, fomos para a consulta e o Rogério
disse: “está tudo bem com seu bebê e ele já está se mexendo de maneira
diferente.” Até então, pra mim tudo isso era normal, eu já estava de 38
semanas, logo começariam os pródromos, o Marcel nasceria lá pelo dia 23/8/15,
quase 20 dias após o aniversário da Marianne.
Chegamos em casa, eu ainda fiz o bolo de aniversário da
Marianne e fui dormir eram quase 1 da manhã. Eu me sentia um pouco irritada,
mas achava que era cansaço, a barriga estava grandinha, eu já me sentia inchada
e pesada. No outro dia, até comentei que nessa gravidez eu iria inchar mais,
tudo o que não havia engordado e/ou inchado nas semanas anteriores, eu incharia
e engordaria na reta final.
Na quinta feira, eu mandei uma mensagem para a Cristiane,
perguntando se poderia me doular, ela me respondeu na sexta-feira e na tarde do
mesmo dia, estávamos conversando como se nos conhecêssemos há anos. Ela me
deixou dois livros e marcamos para a quarta feira, dia 12/8/15, sua próxima
visita, para nos explicar o funcionamento de um parto e todo o “script”.
A fotógrafa havia retornado meu e-mail, mas não me passou
valores para partos, apenas para ensaio da gravidez. Como o dinheiro não era
muito, não fiz ensaio estando grávida, eu apenas queria fotografar o parto, já
que era meu último filho, queria ter esse registro. Assim que a Cris foi
embora, eu já retornei o e-mail da fotógrafa, pedindo valores para registro do
parto.
Logo em seguida, meu marido chegou, minha filha quis
cochilar e aproveitamos as duas horinhas, para conversarmos e namorarmos. Logo
em seguida ao cochilo da Marianne, teríamos que ir ao supermercado, pois havia
acabado tudo na despensa.
As 20 horas, fomos ao supermercado e lá dentro, eu me sentia
profundamente irritada. Tudo me deixava nervosa, desde as pessoas até os
produtos nas prateleiras. Comecei a sentir umas contrações um pouco mais
desconfortáveis, mas isso já havia acontecido da primeira vez: eram os
pródromos. Como eu já estava de 38 semanas e 4 dias, eu estava estranhando o
fato de não ter tido nenhuma dor, nenhuma contração muito desconfortável.
Tentei relaxar e continuar as compras.
Continuar as compras eu continuei, mas irritada.
Chegamos em casa eram mais de 23hrs, deitei e tentei
relaxar. Eu me sentia muito estranha e fui pro chuveiro, se as contrações
continuassem muito fortes, eu ligaria para a Cris, caso contrário, eu iria
dormir.
Tomei um banho demorado e as contrações sumiram e assim como
eu previa, eram os famigerados pródromos.
Dormi a noite toda, Marianne não acordou nem para mamar.
Acordei às 5h45, com contrações. As 6h30, resolvi
cronometrar: 7 minutos de espaçamento, com duração de 40 segundos, 10 minutos,
com duração de 45 segundos, 5 minutos com duração de 50 segundos. E assim foi a
primeira parte da manhã. As 9 da manhã, mandei uma mensagem para a Cris,
relatando o que estava acontecendo. Ela me sugeriu um banho bem demorado e se
elas ritmassem, era para eu ligar.
Fui pro chuveiro com a bola de pilates, a cada contração, eu
rebolava na bola (rebolar é uma maneira natural de aliviar o desconforto das
contrações) e assim fiquei até as 9h40.
As contrações continuaram sem ritmo, sempre entre 7, 5, 4, 8
minutos.
Eu fechei a janela do quarto, liguei o aromatizador elétrico
com o óleo de lavanda e fiquei deitada, ouvindo música. Durante os intervalos
das contrações, eu dormia que conseguia até sonhar. Acho que nunca relaxei
tanto como nesse período.
Entre um cochilo e outro, meu marido apareceu na porta e me
perguntou: “Jan, tem alguma coisa que eu possa fazer pra te ajudar?” Eu
respondi: “Não. Está tudo bem. O processo é assim mesmo. Talvez Marcel nasça na
segunda feira. Tem trabalhos de parto que duram bastante tempo e o meu não
ritmou ainda, então, acredito que vá demorar.”
Meio dia eu levantei para almoçar. Comi bem devagar, já que
as contrações estavam sem ritmo, mas elas estavam acontecendo, então, a cada
contração, eu levantava e rebolava. Terminei de almoçar, fui lavar a louça e
PÁ! Uma contração muito desconfortável. PÁ! Nem 40 segundos depois, outra desconfortável.
Terminei de lavar a louça com muito esforço e fui pro quarto. PÁÁÁ! As
contrações ficaram extremamente desconfortáveis, assim como minhas cólicas
menstruais e eu sentia muito frio. Mas muito frio mesmo, tanto que corri pra
baixo do edredom, era um frio estranho, eu já havia sentido uma vez e junto com
ele, eu sentia medo. Dessa vez, eu sentia o mesmo frio, mas não sentia medo. Eu
sentia uma força enorme vindo de dentro de mim e uma vontade enorme de
vocalizar. “AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA”
Senti algo escorrer vagina abaixo, consegui correr até o
vaso sanitário, até então eu não sabia o que era, mas nesse momento, havia
rompido a bolsa.
Com muito esforço e vocalizando muito, consegui pegar o
celular mandar uma mensagem para a Cris: “estou sangrando muito, as contrações
estão muito desconfortáveis e eu não consigo mais escrever”
Não consegui ver a resposta. Corri pro vaso. E lá fiquei até
ela chegar.
Eu só conseguia rir e vocalizar. “Meu filho vai nascer” era
a única coisa que eu pensava.
Só lembro do meu marido com o iPad, gravando. Vi no
seu rosto um misto de espanto e desespero. Pra mim, seu rosto dizia: “o que
está acontecendo? O que você tem?” Pedi para ele pegar todas as malas dentro do
guarda roupas, colocar roupas na Marianne e aguardar a Cris chegar, assim que
ela chegasse, iríamos para São Carlos.
(Na pressa, meu marido esqueceu de colocar sapatos na
Marianne.)
A Cris chegou e lembro que eu falei que não conseguia
levantar de vaso sanitário e ela disse: “Jan, você precisa levantar, chegou a
hora.”
Eu sentia muita sede, pedi um copo de água, que ela
prontamente trouxe.
Ela que me vestiu, para irmos pro hospital, eu já não
conseguia pensar e tampouco falar. Eu só queria ficar sem roupas, tudo me
incomodava.
Marianne, nessa altura do campeonato, estava assustada com
tudo, não sabia o que estava acontecendo comigo e como todo filho, fica triste
e preocupado com a mãe em uma situação tensa nunca vista anteriormente.
Eu havia mostrado vários vídeos de parto natural para ela,
mesmo assim, ela estava assustada.
Entramos no carro e assim que meu marido parou para fechar o
portão, eu lembrei: “esqueci o cartão da gestante, pega dentro do guarda
roupas, por favor!”
Eu abaixei o shorts que eu estava, tudo me incomodava, eu
queria ficar sem roupa.
E assim fomos para São Carlos, sem visitar o hospital nem
nada.
Assim que nós saímos de casa, enquanto eu tentava achar uma
posição confortável, pedi para segurar a mão da Cris. Isso me deu conforto que
eu acredito que eu nunca senti na vida. Encontrei a posição e vi que para
descontrair a Marianne, a Cris pegou a mão da Marianne também, que acabou
dormindo durante a viagem. Foi nossa “corrente de mulheres”, que pode até
parecer uma coisa insignificante, mas para mim foi muito importante, pois me
senti protegida, mais forte.
Quando chegou em Ibate (e isso eu lembro, pois vi a bandeira
na entrada da cidade), senti um “clec”. Só consegui pensar: “ Filho pelo amor
de Deus, espera chegar no hospital”
Eu já estava completamente imersa na partolândia, vi minha
vida passar como um filme durante toda a minha “estadia” nela.
Após 50 minutos de viagem, eu acho, chegamos na Casa de
Saúde. Olhei no relógio do carro e eram 14h30. Tudo começou a
coincidir.
Mais uma vez, a Cris me vestiu, eu queria sair do carro só
de calcinha, queria ficar em paz.
Entramos na Casa de Saúde, precisava cumprir a parte
burocrática. Fazer ficha, medir dilatação. Eu só queria ficar em paz.
Meu marido ficou com minha filha, que ainda dormia no carro,
enquanto a Cris deu entrada no meu cadastro e eu, fui para uma salinha, onde
teria que verificar minha dilatação. A enfermeira pediu gentilmente para eu me
deitar, eu não conseguia, eu só conseguia andar em círculos dentro daquela
sala.
Pedi para ir para o quarto, a enfermeira perguntou se eu
queria ir de cadeira de rodas ou andando. “Andando. Não consigo sentar.”
Na “longa” viagem de 15 segundos, no elevador, eu tive a
contração mais desconfortável de todo o trabalho de parto. A diferença de você
estar em hospital humanizado, é que a enfermeira, sem você pedir, vai massagear
sua lombar pra aliviar o desconforto.
Depois ela me disse que nesse momento eu estava no que se
chama “estado de transição”.
A primeira coisa que eu fiz, chegando no quarto, foi ficar
apenas de sutiã e entrar na banheira. Mesmo com todo o frio que eu estava
sentindo, a água estava muito quente, eu dei um surto, mandei (isso mesmo,
mandei. Não estava vendo/ouvindo mais nada. Eu estava no meu estado mais
visceral e selvagem nesse ponto do trabalho de parto) trocarem a água.
Deitei na cama e após três contrações seguidas, consegui
abrir as pernas para o exame de toque. Eu nem senti nada, só lembro da
enfermeira dizer: “ você está completamente dilatada, é só esperar.”
Após a água estar mais morna, entrei e relaxei. A enfermeira
perguntou se eu queria ver a cabecinha do bebê com um espelho e me tocar, que
daria para sentir. Mesmo assim, eu não estava acreditando muito.
Acho que fiquei uma hora dentro da banheira, ate que num
determinado momento, em que eu estava em 4 apoios, minhas pernas começaram a
formigar.
O fato de ter relaxado na banheira, me fez sentir muito
sono.
Pedi para deitar, coisa que não consegui fazer por 5
segundos, por conta das contrações.
Me agarrei na escada que tem na cama, no lençol e nada de
encontrar uma posição.
Já havia tentado a banqueta dentro da banheira, mas o
desconforto havia sido muito grande.
Comecei a ficar preocupada, pois nao sabia o que estava
acontecendo. Os batimentos cardíacos do bebê estavam normais, estava tudo bem,
então eu não entendia porque não conseguia achar uma posição.
Me veio à mente, duas mulheres: a primeira, Júlia, pariu 5
filhos, sendo a sexta filha, nascida de uma cesárea. A segunda, Genoveva,
carinhosamente apelidada de “ Bepa”, pariu todos os seis filhos, sendo os
últimos, gêmeos, em plena segunda guerra mundial.
A lembrança dessas duas mulheres, principalmente dos grandes
olhos azuis da Bepa, me deram a força que eu precisava. Essas mulheres eram
minhas avós, respectivamente, por parte da minha mãe e do meu pai.
Senti uma vontade enorme de fazer força. Vocalizei “AAAAAAA”
e acho que o Rogério percebeu ter chegado a hora.
“Você não quer tentar a banqueta?”
A Cris se posicionou atrás de mim e eu consegui finalmente
achar a posição que eu precisava.
Segurei nas mãos da Cris, com toda a força que eu tinha e
relaxei. “AAAAA”. Vocalizei.
Senti o “círculo de fogo”. “Meu bebê está nascendo!”,
pensei.
Olhei para baixo e nunca vi tanto sangue em minha vida.
Mais duas vocalizações, ele veio para o meu colo.
“Eu pari! Eu pari!”foi meu primeiro pensamento. “Filho, sou
eu, a mamãe!” Elechorou e eu ri.
Nesse tempo todo, anterior ao nascimento, Marianne ficava o
mais próxima possível de mim, pedindo para mamar.
Ela estava visivelmente preocupada.
Quando chegou a hora do Marcel nascer, ela chocou, gritou,
me chamava, achando que eu estava sofrendo.
Não tínhamos com quem deixá-la então, nossa
única opção era que ela estivesse conosco nesse momento; embora ela tenha tido
esse choque inicial, a experiência foi positiva, ela hoje sabe que eu não
estava sofrendo e que bebês nascem dessa forma. Ela até brinca, quando vê uma
lâmpada acesa, de que o bebê vai nascer.
O Rogerio perguntou se meu marido queria cortar o cordão,
mas Marianne estava nervosa. “Você já fez tudo, Jan. Corte o cordão
também.”
Eu cortei o cordão que nos ligou durante 38 semanas.
Cinco minutos depois, pari a placenta e pedi para levar,
para planta-la junto a uma árvore, em casa.
Senti um pequeno ardor na mucosa do períneo, que eu já havia
sentido uma vez, também.
“Tem uma laceração bem pequena, não vou dar ponto, pois é
pequena.”
Para mim, estava claro o motivo na qual ele veio.
No dia 08/8/15, às 16h38, Marcel nasceu na Casa de Saúde, em
São Carlos.
Nasceu exatamente no dia em que, alguns anos antes, como na
música do grande Freddie, eu “I've paid my dues/Time after time/I've done
my sentence/But committed no crime/And bad mistakes/I've made a few”.
Ele nasceu no dia em que expiei todas as minhas culpas e
pecados.
No dia, em que alguns anos antes, eu fui estuprada.
As pessoas me perguntam sobre a dor, que ter um parto
vaginal é ser corajosa... Coragem, pra mim, é aceitar ter 7 camadas do corpo,
cortadas e dor é ter o corpo ser possuído sem permissão... Parir meu filho foi
a experiência mais gratificante e prazeirosa que eu já tive, eu costumo dizer
que tão gostoso quanto fazer meu filho, foi pari-lo.
Um detalhe é que eu achava que precisava de um enfermeira
obstétrica, eu achava que doula era uma segunda opção, pois não fazem
acompanhamento fetal. Percebi que eu não precisava de alguém para controlar
batimentos cardíacos, eu precisava de alguém para me dar apoio, para segurar
minhas mãos, para me oferecer conforto durante as contrações, ou seja, eu
precisava de uma doula. Eu fiquei todo o período de dilatação, sozinha e meu
bebê estava ótimo, a enfermeira obstétrica iria mais me atrapalhar do que
ajudar.
Meu trabalho de parto ativo foi curto, foram apenas 3 horas
e meia. Havia me preparado para enjoar de ficar grávida (achei que ficaria
grávida por 41 ou 42 semanas), num trabalho de parto intensamente longo.
Nada disso aconteceu. Preparei musicas, óleos e não usei nada... Para mais uma
vez, eu aprender, que no que se refere a filhos, tudo é uma incógnita.
"Meu filho não
sofreu intervenções: não foi aplicado colírio, não foi aspirado e veio direto
para meu colo. Até quando foi pesado, a balança estava próxima a cama.
Após o nascimento dele, eu me sentia linda, forte, poderia vir um exército de
leões pra cima de nós, que eu era (e ainda sou) capaz de matar um a um. Eu não
me sentia cansada, como algumas mulheres relatam após o parto. Eu sentia uma
energia incrível, me sentia invencível.
Hoje eu sei que o que fazem com 99% das mulheres, na hora do parto, é maldade:
não tem como parir deitada, é humanamente impossível pois o desconforto (ou
dor, como a maioria das pessoas dizem) é extremamente forte. E eu sinto muito
por todas as mulheres que infelizmente passam e passaram por isso. Gostaria de
abraçar todas, para tentar conforta-las.
Quanto à minha cesárea, hoje a cicatriz física não me incomoda mais, mas a
cicatriz da alma, de ter sido enganada e cortada, nunca vai fechar, pois não há
como eu dar um novo nascimento à minha filha. Gostaria que ela também tivesse
tido tudo o que o Marcel teve, mas infelizmente, não há como mudar."
Janice