quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Sobre ser mãe e outras reflexões.




À medida que fui me tornando mãe, porque não nascemos mães, e não nos transformamos assim que nossos filhos nascem, eu fui delineando minha personalidade como mulher. Muitas coisas que não faziam parte de minha realidade, muitas preocupações que não me diziam respeito, começaram a fazer parte do meu cotidiano. A maternidade me fez mais forte e questionadora. Por isso, não aceitei a cesárea no meu primeiro parto, queria respostas, queria explicação. Na segunda vez, contrariando todas as expectativas e realidade ao meu redor, eu pari. Também não conseguia aceitar que tivesse parado de amamentar minha primeira filha quando ela tinha apenas 4 meses. Na segunda vez, amamentei por mais de um ano. E assim fui traçando meu próprio caminho, sempre tentando buscar o que havia de mais difícil, mais desafiador. Nunca me contentei em ir com a maioria, sempre fui aquela que fazia as escolhas diferentes. Há mais de 25 anos, a maioria das minhas amigas começavam suas carreiras, e eu, por livre escolha, resolvi exercer a maternidade. Ser mãe integralmente, ficar em casa com elas, não ter uma carreira profissional, curtir coisas simples como fazer um bolo, estourar pipoca e rolar no chão com as meninas, não fez com que eu me sentisse menos mulher.
Tenho refletido muito sobre toda a minha trajetória como mulher, e como mãe. Elas são uma coisa só. Não consigo me ver sem minhas quatro filhas, sem nossos momentos de intimidade, sem as alegrias das coisas simples. Dedicar a vida ao crescimento dos filhos, não nos faz menor. Muito pelo contrário, me sinto plena, realizada.
Outro ponto que me realiza, sempre foi a culinária. A cozinha é um lugar sagrado, um lugar de ritual. Onde a cada dia, pensamos, juntamos os ingredientes, e preparamos uma refeição que será partilhada em família. Cozinhar é um momento em que damos algo de nós também. Não é submissão, mas é doação. É quando preparamos as refeições de nossa família, que pensamos em cada um, em como gostam deste ou daquele prato. Nossa boa energia flui para eles, através da comida que fazemos.
Para mim, maternidade se mistura muito bem com uma mesa boa, cheia de alimentos feitos em casa, saudáveis ou nem sempre saudáveis. Mas feitos com toda a boa energia e a dedicação que a maternidade despertou em mim.
Enquanto dedicava minha rotina à formação de minhas filhas, sentia que construía um mundo melhor, que plantava nelas, a semente da feminilidade. Não uma feminilidade de submissão, mas uma feminilidade de cumplicidade, de mulheres que cuidam e acolhem.
Desejo com esse texto, deixar meu recado para que cada mulher faça suas escolhas, independentemente de quais sejam, mas que sejam conscientes, e que as deixem sentir-se como parte integrante das mulheres guerreiras, feiticeiras, deusas. Mulheres que constroem seres humanos, que os ajudam a tomarem forma.

Que possamos ajudar a crescer seres do bem, que amem ao próximo, que vivam em paz!

terça-feira, 12 de abril de 2016

Tu vens, tu vens, eu já escuto os teus sinais (Alceu Valença – Anunciação) Relato de parto da Janice, nascimento do Marcel

Minha primeira gravidez não foi das melhores, infelizmente fui sentenciada à uma cesárea desnecessária, o que me acarretou uma depressão pós parto, por  quase 24 meses.
Eu não pensava em mais filhos, minha filha tinha um apego extremo, não aceitava ninguém além de mim. Pra mim, era inviável pensar em outro filho.
Ela nasceu no dia 05/8/12. Era domingo e prometi a mim mesma que nunca mais colocaria os pés no hospital particular aqui da cidade, de tão maltratada que eu fui, parecia que havia cometido um crime por estar internada num domingo, indo “pro abate”. Eu deveria me sentir feliz por logo ter minha filha nos braços. Mas eu não conseguia. Eu só conseguia chorar. Após 8 horas na sala de recuperação, fui pro quarto, após 20 minutos, me levaram-na limpa, vestida com o macacãozinho rosa, com touca de ursinho, que havia comprado pra esse dia.
Nunca mais queria passar por isso, novamente. Quando me perguntavam: não quer outro? Eu rapidamente respondia: “não. Nunca mais. Minha filha já vale por 10 crianças juntas.”
Eu sempre fui muito cuidadosa com os métodos anticoncepcionais. A pílula havia falhado uma vez, então, eu tomava MUITO cuidado com os horários, para que não tivesse problemas novamente.
No dia 13/12/14, acordei me sentindo extremamente enjoada, cansada, querendo só ficar deitada. Estranhei o enjoo, só havia sentido igual quando havia ficado grávida. Um alerta se acendeu e me senti preocupada: além de todos os problemas que citei acima, havia um mais grave: estávamos completamente sem dinheiro, vivendo de empréstimo do banco, já que pessoas de nossa confiança simplesmente não honraram as palavras delas e portanto, nos colocando em uma situação financeiramente muito complicada. Tínhamos um imóvel  para vender, mas enquanto não era vendido, a situação era bem difícil.
Saímos para passear com nossa filha, na volta, eu precisava passar pela farmácia, aproveitei e comprei dois testes de gravidez.
Eu já estava há algumas horas sem urinar, era o suficiente para fazer o teste.
Chegamos em casa, falei para meu marido: comprei um teste de gravidez, para tirar a dúvida, acordei enjoada, mas acho que é cansaço.
Almoçamos e assim que terminamos, criei coragem e fiz o teste. 
Positivo, pra meu desespero.
“Me mato agora ou quando nascer?” Essa foi a unica frase que consegui dizer ao meu marido. Ele me pergunta: “o que aconteceu?” “Estou grávida novamente.” 
Enfim, os primeiros dois dias foram estranhos, era um sábado, passei o fim de semana todo pensando no que fazer da vida.
Na segunda feira após o teste, marquei consulta com meu ginecologista, que não acreditou em mim e me pediu um beta quantitativo (aquele que informa sem precisão as semanas de gravidez), que revelou entre 4 e 5 semanas. Pelas minhas contas, eram quase 5 semanas, contando que nesse período, seria a semana final do mês de novembro, que realmente foi “intensa”. 
Enfim, eu ja me sentia um pouco mais contente, eu já sabia como funcionava uma gravidez, eu já sabia que se eu quisesse meu parto vaginal, eu teria que ir para São Carlos, aqui, o máximo que eu conseguiria seria um parto carregado de intervenções, ou um parto domiciliar. Mas parto domiciliar não era opção para meu marido e eu não me sentia muito confortável, pois seria um VBAC (vaginal birth afetar c-seccion), mesmo sabendo que as chances de complicações eram mínimas, eu não me sentia muito confortável... 
Decidimos fazer o pre natal aqui, até a 20 semana, após isso, começaríamos em São Carlos, com o Rogerio.
Na oitava semana, fiz meu primeiro ultrassom e estava lá, o bebezinho forte, com batimentos cardíacos entre 140 e 145 bpm. A data provável desse parto era 17/8/15, pelo ultrassom, mas eu achava que iria nascer após o dia 23/8/15.
Eu já conseguia me sentir muito feliz, dessa vez eu me olhava no espelho e me sentia maravilhosa, forte. Sentia que o bebezinho que eu carregava no ventre, me dava forças e me fazia me sentir linda. Minha barriga estava redonda, como eu sempre quis, eu só tinha barriga, não havia engordado nada.
As 23 semanas de gestação, no terceiro ultrassom, descobrimos o sexo: um menino. Eu nunca havia me visto como mãe de menino e tinha medo de ter meninos... Diziam que meninos eram mais agressivos, eu queria ter meninas, mas aquele bebê me fazia sentir tão feliz, tão forte, que pouco me preocupei com o fato de ser um gurizinho.. Só pensava em como eu estava feliz com aquela gravidez.
Chegou o mês de julho, nós continuávamos sem dinheiro, já havíamos vendido os carros, mas não conseguíamos vender o imóvel, não tínhamos mais como emprestar dinheiro do banco e o dinheiro estava acabando - não tínhamos dinheiro nem pra doula, fotógrafo e o principal: pro hospital em São Carlos.
Falei pro meu marido: “eu vou pra Gota. Eu estou suficientemente empoderada, ninguém me fará de trouxa ou me farão engolir uma cesárea. Mas eu preciso de uma doula, pois você precisa ficar com Marianne.” 
Meu marido não aceitou a ideia. Ele tinha medo que qualquer coisa acontecesse com o bebê ou comigo e acabar culminando no término do nosso relacionamento.
Isso era dia 20/7/15. Talvez tivéssemos algum dinheiro, após o dia 15/8/15, então, tentei acalma-lo: “acho que o Marcel não nasce antes do dia 21/8/15.”
O pre Natal seguiu normalmente, tínhamos uma consulta no dia 04/8/15, véspera do aniversário da minha filha; nessa primeira semana de agosto, um dinheiro que meu marido esperava, mas que não tínhamos muita esperança de receber, foi pago. Ele me disse: “pode chorar aliviada, temos dinheiro para o hospital e para a doula.” Eu não chorei, mas me senti muito aliviada, pois sabia que na Gota eu iria ficar sozinha, já que lá, não é permitido acompanhante para pernoitar e tampouco a presença de minha filha nem para visitas, já que na época ela estaria com 3 anos e alguns dias.
Mas na segunda feira, eu me sentia muito estranha, quem me conhece, sabe que eu não fico muito preocupada porque as coisas não estão milimetricamente organizadas e nessa segunda, eu estava irritada  justamente porque as coisas não estavam organizadas. Parecia uma tpm  e foi assim até o fim da semana. Uma música que não me saía da cabeça, era “Anunciação”, do Alceu Valença. 
Na quarta feira, 04/8/15, fomos para a consulta e o Rogério disse: “está tudo bem com seu bebê e ele  já está se mexendo de maneira diferente.” Até então, pra mim tudo isso era normal, eu já estava de 38 semanas, logo começariam os pródromos, o Marcel nasceria lá pelo dia 23/8/15, quase 20 dias após o aniversário da Marianne.
Chegamos em casa, eu ainda fiz o bolo de aniversário da Marianne e fui dormir eram quase 1 da manhã. Eu me sentia um pouco irritada, mas achava que era cansaço, a barriga estava grandinha, eu já me sentia inchada e pesada. No outro dia, até comentei que nessa gravidez eu iria inchar mais, tudo o que não havia engordado e/ou inchado nas semanas anteriores, eu incharia e engordaria na reta final.
Na quinta feira, eu mandei uma mensagem para a Cristiane, perguntando se poderia me doular, ela me respondeu na sexta-feira e na tarde do mesmo dia, estávamos conversando como se nos conhecêssemos há anos. Ela me deixou dois livros e marcamos para a quarta feira, dia 12/8/15, sua próxima visita, para nos explicar o funcionamento de um parto e todo o “script”.
A fotógrafa havia retornado meu e-mail, mas não me passou valores para partos, apenas para ensaio da gravidez. Como o dinheiro não era muito, não fiz ensaio estando grávida, eu apenas queria fotografar o parto, já que era meu último filho, queria ter esse registro. Assim que a Cris foi embora, eu já retornei o e-mail da fotógrafa, pedindo valores para registro do parto.
Logo em seguida, meu marido chegou, minha filha quis cochilar e aproveitamos as duas horinhas, para conversarmos e namorarmos. Logo em seguida ao cochilo da Marianne, teríamos que ir ao supermercado, pois havia acabado tudo na despensa.
As 20 horas, fomos ao supermercado e lá dentro, eu me sentia profundamente irritada. Tudo me deixava nervosa, desde as pessoas até os produtos nas prateleiras. Comecei a sentir umas contrações um pouco mais desconfortáveis, mas isso já havia acontecido da primeira vez: eram os pródromos. Como eu já estava de 38 semanas e 4 dias, eu estava estranhando o fato de não ter tido nenhuma dor, nenhuma contração muito desconfortável. Tentei relaxar e continuar as compras. 
Continuar as compras eu continuei, mas irritada.
Chegamos em casa eram mais de 23hrs, deitei e tentei relaxar. Eu me sentia muito estranha e fui pro chuveiro, se as contrações continuassem muito fortes, eu ligaria para a Cris, caso contrário, eu iria dormir.
Tomei um banho demorado e as contrações sumiram e assim como eu previa, eram os famigerados pródromos. 
Dormi a noite toda, Marianne não acordou nem para mamar.
Acordei às 5h45, com contrações. As 6h30, resolvi cronometrar: 7 minutos de espaçamento, com duração de 40 segundos, 10 minutos, com duração de 45 segundos, 5 minutos com duração de 50 segundos. E assim foi a primeira parte da manhã. As 9 da manhã, mandei uma mensagem para a Cris, relatando o que estava acontecendo. Ela me sugeriu um banho bem demorado e se elas ritmassem, era para eu ligar.
Fui pro chuveiro com a bola de pilates, a cada contração, eu rebolava na bola (rebolar é uma maneira natural de aliviar o desconforto das contrações) e assim fiquei até as 9h40. 
As contrações continuaram sem ritmo, sempre entre 7, 5, 4, 8 minutos.
Eu fechei a janela do quarto, liguei o aromatizador elétrico com o óleo de lavanda e fiquei deitada, ouvindo música. Durante os intervalos das contrações, eu dormia que conseguia até sonhar. Acho que nunca relaxei tanto como nesse período.
Entre um cochilo e outro, meu marido apareceu na porta e me perguntou: “Jan, tem alguma coisa que eu possa fazer pra te ajudar?” Eu respondi: “Não. Está tudo bem. O processo é assim mesmo. Talvez Marcel nasça na segunda feira. Tem trabalhos de parto que duram bastante tempo e o meu não ritmou ainda, então, acredito que vá demorar.”
Meio dia eu levantei para almoçar. Comi bem devagar, já que as contrações estavam sem ritmo, mas elas estavam acontecendo, então, a cada contração, eu levantava e rebolava. Terminei de almoçar, fui lavar a louça e PÁ! Uma contração muito desconfortável. PÁ! Nem 40 segundos depois, outra desconfortável. Terminei de lavar a louça com muito esforço e fui pro quarto. PÁÁÁ! As contrações ficaram extremamente desconfortáveis, assim como minhas cólicas menstruais e eu sentia muito frio. Mas muito frio mesmo, tanto que corri pra baixo do edredom, era um frio estranho, eu já havia sentido uma vez e junto com ele, eu sentia medo. Dessa vez, eu sentia o mesmo frio, mas não sentia medo. Eu sentia uma força enorme vindo de dentro de mim e uma vontade enorme de vocalizar. “AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA”
Senti algo escorrer vagina abaixo, consegui correr até o vaso sanitário, até então eu não sabia o que era, mas nesse momento, havia rompido a bolsa.
Com muito esforço e vocalizando muito, consegui pegar o celular mandar uma mensagem para a Cris: “estou sangrando muito, as contrações estão muito desconfortáveis e eu não consigo mais escrever”
Não consegui ver a resposta. Corri pro vaso. E lá fiquei até ela chegar.
Eu só conseguia rir e vocalizar. “Meu filho vai nascer” era a única coisa que eu pensava.
Só lembro do meu marido com o iPad, gravando.  Vi no seu rosto um misto de espanto e desespero. Pra mim, seu rosto dizia: “o que está acontecendo? O que você tem?” Pedi para ele pegar todas as malas dentro do guarda roupas, colocar roupas na Marianne e aguardar a Cris chegar, assim que ela chegasse, iríamos para São Carlos.
(Na pressa, meu marido esqueceu de colocar sapatos na Marianne.)
A Cris chegou e lembro que eu falei que não conseguia levantar de vaso sanitário e ela disse: “Jan, você precisa levantar, chegou a hora.”
Eu sentia muita sede, pedi um copo de água, que ela prontamente trouxe.
Ela que me vestiu, para irmos pro hospital, eu já não conseguia pensar e tampouco falar. Eu só queria ficar sem roupas, tudo me incomodava.
Marianne, nessa altura do campeonato, estava assustada com tudo, não sabia o que estava acontecendo comigo e como todo filho, fica triste e preocupado com a mãe em uma situação tensa nunca vista anteriormente. 
Eu havia mostrado vários vídeos de parto natural para ela, mesmo assim, ela estava assustada.
Entramos no carro e assim que meu marido parou para fechar o portão, eu lembrei: “esqueci o cartão da gestante, pega dentro do guarda roupas, por favor!”
Eu abaixei o shorts que eu estava, tudo me incomodava, eu queria ficar sem roupa.
E assim fomos para São Carlos, sem visitar o hospital nem nada. 
Assim que nós saímos de casa, enquanto eu tentava achar uma posição confortável, pedi para segurar a mão da Cris. Isso me deu conforto que eu acredito que eu nunca senti na vida. Encontrei a posição e vi que para descontrair a Marianne, a Cris pegou a mão da Marianne também, que acabou dormindo durante a viagem. Foi nossa “corrente de mulheres”, que pode até parecer uma coisa insignificante, mas para mim foi muito importante, pois me senti protegida, mais forte.
Quando chegou em Ibate (e isso eu lembro, pois vi a bandeira na entrada da cidade), senti um “clec”. Só consegui pensar: “ Filho pelo amor de Deus, espera chegar no hospital”
Eu já estava completamente imersa na partolândia, vi minha vida passar como um filme durante toda a minha “estadia” nela.
Após 50 minutos de viagem, eu acho, chegamos na Casa de Saúde. Olhei no relógio do carro  e eram 14h30. Tudo começou a coincidir. 
Mais uma vez, a Cris me vestiu, eu queria sair do carro só de calcinha, queria ficar em paz. 
Entramos na Casa de Saúde, precisava cumprir a parte burocrática. Fazer ficha, medir dilatação. Eu só queria ficar em paz.
Meu marido ficou com minha filha, que ainda dormia no carro, enquanto a Cris deu entrada no meu cadastro e eu, fui para uma salinha, onde teria que verificar minha dilatação. A enfermeira pediu gentilmente para eu me deitar, eu não conseguia, eu só conseguia andar em círculos dentro daquela sala.
Pedi para ir para o quarto, a enfermeira perguntou se eu queria ir de cadeira de rodas ou andando. “Andando. Não consigo sentar.”
Na “longa” viagem de 15 segundos, no elevador, eu tive a contração mais desconfortável de todo o trabalho de parto. A diferença de você estar em hospital humanizado, é que a enfermeira, sem você pedir, vai massagear sua lombar pra aliviar o desconforto. 
Depois ela me disse que nesse momento eu estava no que se chama “estado de transição”.
A primeira coisa que eu fiz, chegando no quarto, foi ficar apenas de sutiã e entrar na banheira. Mesmo com todo o frio que eu estava sentindo, a água estava muito quente, eu dei um surto, mandei (isso mesmo, mandei. Não estava vendo/ouvindo mais nada. Eu estava no meu estado mais visceral e selvagem nesse ponto do trabalho de parto) trocarem a água.
Deitei na cama e após três contrações seguidas, consegui abrir as pernas para o exame de toque. Eu nem senti nada, só lembro da enfermeira dizer: “ você está completamente dilatada, é só esperar.”
Após a água estar mais morna, entrei e relaxei. A enfermeira perguntou se eu queria ver a cabecinha do bebê com um espelho e me tocar, que daria para sentir. Mesmo assim, eu não estava acreditando muito.
Acho que fiquei uma hora dentro da banheira, ate que num determinado momento, em que eu estava em 4 apoios, minhas pernas começaram a formigar.
O fato de ter relaxado na banheira, me fez sentir muito sono.
Pedi para deitar, coisa que não consegui fazer por 5 segundos, por conta das contrações.
Me agarrei na escada que tem na cama, no lençol e nada de encontrar uma posição.
Já havia tentado a banqueta dentro da banheira, mas o desconforto havia sido muito grande.
Comecei a ficar preocupada, pois nao sabia o que estava acontecendo. Os batimentos cardíacos do bebê estavam normais, estava tudo bem, então eu não entendia porque não conseguia achar uma posição.
Me veio à mente, duas mulheres: a primeira, Júlia, pariu 5 filhos, sendo a sexta filha, nascida de uma cesárea. A segunda, Genoveva, carinhosamente apelidada de “ Bepa”, pariu todos os seis filhos, sendo os últimos, gêmeos, em plena segunda guerra mundial.
A lembrança dessas duas mulheres, principalmente dos grandes olhos azuis da Bepa, me deram a força que eu precisava. Essas mulheres eram minhas avós, respectivamente, por parte da minha mãe e do meu pai.
Senti uma vontade enorme de fazer força. Vocalizei “AAAAAAA” e acho que o Rogério percebeu ter chegado a hora.
“Você não quer tentar a banqueta?”
A Cris se posicionou atrás de mim e eu consegui finalmente achar a posição que eu precisava.
Segurei nas mãos da Cris, com toda a força que eu tinha e relaxei. “AAAAA”. Vocalizei. 
Senti o “círculo de fogo”. “Meu bebê está nascendo!”, pensei.
Olhei para baixo e nunca vi tanto sangue em minha vida.
Mais duas vocalizações, ele veio para o meu colo. 
“Eu pari! Eu pari!”foi meu primeiro pensamento. “Filho, sou eu, a mamãe!” Elechorou e  eu ri.
Nesse tempo todo, anterior ao nascimento, Marianne ficava o mais próxima possível de mim, pedindo para mamar.
Ela estava visivelmente preocupada.
Quando chegou a hora do Marcel nascer, ela chocou, gritou, me chamava, achando que eu estava sofrendo.
Não tínhamos com quem  deixá-la então,  nossa única opção era que ela estivesse conosco nesse momento; embora ela tenha tido esse choque inicial, a experiência foi positiva, ela hoje sabe que eu não estava sofrendo e que bebês nascem dessa forma. Ela até brinca, quando vê uma lâmpada acesa, de que o bebê vai nascer.
O Rogerio perguntou se meu marido queria cortar o cordão, mas Marianne estava nervosa. “Você já fez  tudo, Jan. Corte o cordão também.” 
Eu cortei o cordão que nos ligou durante 38 semanas.
Cinco minutos depois, pari a placenta e pedi para levar, para planta-la junto a uma árvore, em casa.
Senti um pequeno ardor na mucosa do períneo, que eu já havia sentido uma vez, também.
“Tem uma laceração bem pequena, não vou dar ponto, pois é pequena.”
Para mim, estava claro o motivo na qual ele veio.
No dia 08/8/15, às 16h38, Marcel nasceu na Casa de Saúde, em São Carlos.
Nasceu exatamente no dia em que, alguns anos antes, como na música do grande Freddie, eu  “I've paid my dues/Time after time/I've done my sentence/But committed no crime/And bad mistakes/I've made a few”.
Ele nasceu no dia em que expiei todas as minhas culpas e pecados.
No dia, em que alguns anos antes, eu fui estuprada.
As pessoas me perguntam sobre a dor, que ter um parto vaginal é ser corajosa... Coragem, pra mim, é aceitar ter 7 camadas do corpo, cortadas e dor é ter o corpo ser possuído sem permissão... Parir meu filho foi a experiência mais gratificante e prazeirosa que eu já tive, eu costumo dizer que tão gostoso quanto fazer meu filho, foi pari-lo.
Um detalhe é que eu achava que precisava de um enfermeira obstétrica, eu achava que doula era uma segunda opção, pois não fazem acompanhamento fetal. Percebi que eu não precisava de alguém para controlar batimentos cardíacos, eu precisava de alguém para me dar apoio, para segurar minhas mãos, para me oferecer conforto durante as contrações, ou seja, eu precisava de uma doula. Eu fiquei todo o período de dilatação, sozinha e meu bebê estava ótimo, a enfermeira obstétrica iria mais me atrapalhar do que ajudar.

Meu trabalho de parto ativo foi curto, foram apenas 3 horas e meia. Havia me preparado para enjoar de ficar grávida (achei que ficaria grávida por 41 ou 42 semanas),  num trabalho de parto intensamente longo. Nada disso aconteceu. Preparei musicas, óleos e não usei nada... Para mais uma vez, eu aprender, que no que se refere a filhos, tudo é uma incógnita. 
"Meu filho não sofreu intervenções: não foi aplicado colírio, não foi aspirado e veio direto para meu colo. Até quando foi pesado, a balança estava próxima a cama.
Após o nascimento dele, eu me sentia linda, forte, poderia vir um exército de leões pra cima de nós, que eu era (e ainda sou) capaz de matar um a um. Eu não me sentia cansada, como algumas mulheres relatam após o parto. Eu sentia uma energia incrível, me sentia invencível.
Hoje eu sei que o que fazem com 99% das mulheres, na hora do parto, é maldade: não tem como parir deitada, é humanamente impossível pois o desconforto (ou dor, como a maioria das pessoas dizem) é extremamente forte. E eu sinto muito por todas as mulheres que infelizmente passam e passaram por isso. Gostaria de abraçar todas, para tentar conforta-las.
Quanto à minha cesárea, hoje a cicatriz física não me incomoda mais, mas a cicatriz da alma, de ter sido enganada e cortada, nunca vai fechar, pois não há como eu dar um novo nascimento à minha filha. Gostaria que ela também tivesse tido tudo o que o Marcel teve, mas infelizmente, não há como mudar."
Janice