No Brasil existe um alto índice de cesarianas devido a uma somatória de fatores. A imensa maioria dos partos nos grandes centros brasileiros é assistida por médicos que por vários motivos acabam elevando as taxas de cesarianas. O fator financeiro sem dúvida é muito importante. O parto cesariano e o parto normal têm a mesma remuneração, porém enquanto a cesariana leva em média de 30 a 40 minutos para ser realizada, um parto normal pode durar horas ou até dias para se resolver. Os médicos costumam ter varias atividades ao longo de seu dia, se os mesmos se comprometerem a acompanhar um trabalho de parto não poderão se ocupar de nenhuma atividade como atender consultório, realizar alguma cirurgia ou qualquer outro procedimento que lhes dê um rendimento. Já a cesariana resolve a situação em poucos minutos proporcionando ao profissional a liberdade que ele necessita para exercer todas as atividades que programou para o seu dia, garantindo também suas noites e finais de semana sem “perturbações”. Agravando ainda mais a situação, os profissionais são muito mal remunerados pelos convênios médicos, o que torna um parto normal altamente desestimulante. Tornar-se um médico que acompanha trabalhos de parto requer uma vocação. Ele precisa abrir mão de sua vida pessoal e priorizar sua profissão. Raramente poderá viajar, não poderá desligar seu telefone celular, estará sujeito a ser chamado a qualquer momento do dia ou da noite, se afastará de sua família por muito tempo, às vezes por mais do que um dia. Não há nenhum dinheiro que pague esta disponibilidade. Para que o profissional se sinta estimulado, ele precisa ver um significado maior no processo da parturição, do contrário a cesariana cumprirá com a função de retirar a criança do ventre materno sem sofrimento, tanto para o profissional quanto para a gestante. Existem mitos e crenças como fetos muito grandes, bacia estreita, feto que não está encaixado, gestante com uma cesariana anterior, que atingem os profissionais e os induzem a realizar mais cesarianas do que seriam necessárias. Outro mito da obstetrícia é o partograma, que é um gráfico onde se anota a evolução do parto. Segundo o gráfico, esta evolução deve respeitar um período pré-determinado e quando isso não acontece a cesariana é indicada. O partograma faz com que as gestantes sejam consideradas máquinas que devem ter um desempenho semelhante, ou serão condenadas a cesariana. As universidades também não cumprem com a função de formar profissionais capazes de “assistir” uma gestante, formam profissionais altamente intervencionistas que acreditam que quem “faz o parto” é o médico, picando e cortando as mulheres que lhes devem respeito e submissão. A universidade também não oferece nenhum preparo emocional aos jovens médicos para que estes aprendam a lidar com o sofrimento alheio, preparam apenas técnicos. A mulher em sua posição inferiorizada na sociedade foi levada a desconhecer seu corpo e sua potencialidade feminina, acreditando que o médico é o detentor de todo conhecimento e se entregando plenamente sem refletir ou questionar as decisões por ele tomadas. Muitas vezes, esses profissionais não têm interesse em preparar a gestante para um parto normal, uma vez que sabem que farão uma cesariana. Ao contrário do que deveria acontecer, os profissionais procuram desestimular o parto normal dizendo o quanto é sofrido, perigoso e desvantajoso. Usam seus conhecimentos como ferramentas para amedrontar as gestantes acerca de possíveis problemas que ela ou seu bebê possam enfrentar ao tentar um parto normal. Algumas mulheres escolhem ter um parto normal, mas ao procurarem um profissional nem imaginam que o mesmo possa manipulá-las emocionalmente para que realize uma cesariana. Como estas mulheres não têm informações de qualidade a respeito do assunto e perderam a autoconfiança em relação a seus corpos, acabam sendo enganadas. Outras chegam aos consultórios pedindo um parto cesariano, pelo medo que decorre das histórias ruins que já ouviram ou simplesmente pela facilidade e modernidade que uma cesariana representa. Principalmente nas classes econômicas menos favorecidas, as mulheres se sentem humilhadas por precisarem se submeter à dor do parto. Acreditam que estão naquela situação porque não podem “comprar” um parto melhor. Com razão, as mulheres temem as humilhações que imaginam poder sofrer durante o trabalho de parto, pois, hoje em dia, ainda é uma realidade e se manifesta das mais variadas formas em hospitais públicos e privados. As mulheres têm suas genitálias expostas para pessoas desconhecidas num momento de dor ouvindo frases como: - na hora de fazer foi bom, então não reclame agora; - gritar só vai piorar; - você não está colaborando com seu bebê, e ele está sofrendo. Outras frases clássicas que desmerecem e inferiorizam as mulheres: - sua bacia é estreita então você não será capaz de parir; - já esperamos muito tempo e você não tem dilatação. Dentro dos hospitais, as mulheres são desrespeitadas e tratadas como objetos, não recebem informações ou explicações acerca do que lhes acontecerá. As mulheres não encontram profissionais, instituições ou outras mulheres que lhes dêem explicações ou lhes mostrem que este momento pode ser bom. As experiências ruins são as mais veiculadas, portanto o parto se torna um evento temeroso na vida das mulheres e faz a cesariana parecer uma forma de nascimento mais respeitosa e civilizada. Betina Bittar é médica obstétrica, acupunturista e homeopata. Atua em São Paulo. |
terça-feira, 16 de março de 2010
O parto vaginal e a cesariana hoje / Betina Bittar
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