terça-feira, 17 de agosto de 2010

O parto fisiológico: técnicas não invasivas e o papel da doula Por Ingrid Savastano Becker





Da mesma forma que a boa doula deve ser o mais invisível possível, apoiando, acolhendo e incentivando a gestante, ela também deve ter em mente que sua presença pode ser dispensada pela parturiente a qualquer momento, atitude que ocorre, principalmente, pelas grandes variações hormonais do instante do parto.


1 O PARTO FISIOLÓGICO

Fisiologicamente falando, o parto pode ser compreendido como uma cadeia sutil de hormônios que vão acionando um ao outro e conduzindo o trabalho de parto e o nascimento. Todo esse processo é controlado por estruturas cerebrais primitivas, onde se encontra o chamado sistema límbico, composto por estruturas como o tálamo, o hipotálamo, a glândula pituitária e a hipófise.

Esta estrutura está presente não só nos humanos, mas também em todos os mamíferos; e é no cérebro primitivo que o trabalho de parto se inicia, com a liberação de vários hormônios; entre eles, a ocitocina e a prolactina.
Desse modo, o parto normal acontece sozinho, guiado pelo próprio corpo. Rompimento de bolsa, dilatação, contrações, etc., são ações involuntárias que acontecem graças a esta cadeia hormonal. É importante ressaltar que o cérebro reconhece apenas os hormônios produzidos pelo próprio corpo. Hormônios sintéticos não produzem o mesmo efeito e podem atrapalhar ou até impedir a delicada seqüência entre eles.

Sob este ponto de vista, o parto é algo extremamente simples, pois se é controlado por hormônios e ações involuntárias, não há nada que a mulher possa fazer para impedi-lo de acontecer.

Então por que existem várias mulheres com partos longos e demorados, mulheres que não conseguem ter a dilatação necessária, entre outros problemas corriqueiramente relatados?

Porque os humanos possuem uma estrutura muito complexa, que diferencia o cérebro humano do de outros animais, o chamado neocórtex. O neocórtex é o controlador de toda a atividade intelectual, a memória, os conhecimentos, as experiências e habilidades.

Esta parte do cérebro também é responsável pelas inibições das atividades sexuais, e o parto é uma atividade sexual. Como a gestação foi originada em uma relação sexual, o parto é a finalização desse processo e encerra em si, esta essência. Os mesmos hormônios do sexo estão envolvidos no processo de parir.

Além do hormônio ocitocina, os humanos possuem um sistema de recompensas que entra em atividade cada vez que são realizadas tarefas necessárias para a sobrevivência da espécie, como se alimentar, amamentar ou fazer sexo; tarefas controladas por hormônios do cérebro primitivo.

A ocitocina é produzida pelo hipotálamo, absorvida pela pituitária posterior e excretada na corrente sanguínea em condições específicas. Até pouco tempo, os cientistas achavam que este hormônio fosse algo exclusivamente feminino, que servia apenas para estimular as contrações uterinas durante e após o parto, e das mamas para a amamentação. Mas hoje se sabe que está envolvida em todos os aspectos da vida sexual masculina e feminina.

Da mesma forma, não ocorre parto sem ocitocina. Poucos instantes após o nascimento, a mãe tem o maior pico de ocitocina da sua vida, que ajuda no não sangramento do útero e ativa um comportamento maternal na mulher, completamente autruísta.

Ela e seu bebê estarão transbordando hormônios do parto e do amor, e entrarão em um equilíbrio hormonal perfeito, que nunca mais ocorrerá. Esse período é crucial para a formação do primeiro vínculo entre mãe e filho, já que todos esses hormônios agem de forma que eles criem um estado de dependência mútua e comecem a construir uma relação de amor e afeição.

2 A DOR DO PARTO

Muito se discute no meio científico sobre a dor do parto. Será que esta dor é fisiológica ou não passa de um condicionamento cultural? Hoje os cientistas aceitam que exista sim uma dor fisiológica, própria de todas as mudanças bruscas que ocorrem repentinamente durante o trabalho de parto.

Porém, também foi descoberto que o corpo é capaz de produzir opiáceos, muito semelhante ao obtido das sementes de papoula e que funcionam como analgésico natural, diminuindo ou até mesmo extinguindo as dores do parir.
Durante o trabalho de parto, endorfinas e opiáceos são secretados na circulação sanguínea para diminuir as dores e aumentar a alegria e a felicidade das mulheres por estarem parindo. As endorfinas são, portanto, hormônios coadjuvantes do parto.

Da mesma forma que existem hormônios que auxiliam no bom andamento de um parto, há também os hormônios que atrapalham, os chamados antagonistas. Os antagonistas são da família da adrenalina, hormônio excretado em situações de perigo, e que prepara o corpo do animal para a fuga ou para a luta.

Basicamente, a adrenalina desvia grande parte do sangue do organismo animal para as patas, para que este animal, tomando a decisão de lutar ou fugir, tenha oxigênio suficiente em seus membros para agir.

Se uma fêmea de mamífero se sentir ameaçada enquanto estiver em trabalho de parto, a liberação de adrenalina tende a parar o processo do parto, adiando-o, para dar à mãe energia para lutar ou escapar.

3 A ADRENALINA

Os efeitos da secreção de adrenalina são mais complexos durante o processo de nascimento. Durante as útlimas contrações antes do nascimento, tanto a mãe quanto o bebê chegam a um pico de liberação de adrenalina. Algumas parturientes podem apresentar ondas súbitas de medo irracional (não se sabe medo do que ou de quem) ou agressividade contra algum objeto ou pessoa.

Um dos efeitos dessa súbita liberação é para que a mãe fique alerta quando seu bebê nascer, para que tenha energia o suficiente para proteger a sua cria. Isso ocorre não só nos humanos, mas em todos os mamíferos.

Outro efeito dessa liberação de adrenalina, para o feto, é que o bebê está alerta quando nasce, com os olhos bem abertos e pupilas dilatadas; e a mãe fica fascinada com o olhar do seu recém-nascido. Parece que, para os humanos, este contato olho no olho é uma característica importante no começo do relacionamento mãe-bebê.

É importante esclarecer com isso que até mesmo os hormônios da adrenalina – normalmente vistos como hormônios da agressão – têm um papel específico e importante a desempenhar na interação entre a mãe e o bebê na primeira hora após o parto.

4 A EJEÇÃO DO FETO

Não são apenas os mesmos hormônios envolvidos nos diferentes episódios da vida sexual, mas os mesmos padrões, os mesmos cenários que são reproduzidos. A fase final é sempre um reflexo de ejeção, e termos como reflexo de ejeção do esperma, reflexo de ejeção do leite e reflexo de ejeção do feto sugerem esta aproximação.

Odent denomina de reflexo de ejeção do feto as ultimas contrações que antecedem o nascimento de humanos, quando o processo de parto ocorreu sem perturbações e sem ajuda.

Durante um reflexo de ejeção do feto típico, as mulheres têm tendência de se manter em posição ereta, têm a necessidade de agarrar alguma coisa ou alguém, e estão cheias de energia, podendo demonstrar euforia, nervosismo ou medo; comportamentos compatíveis com uma súbita liberação de adrenalina.

5 ALTERANDO A CONSCIÊNCIA

Quando o neocórtex está super ativo, tende a inibir o cérebro primitivo. Durante o trabalho de parto, há uma fase em que a parturiente se torna mais silenciosa, introspectiva, pára de conversar ou rir e de repente, parece estar “em outro planeta”. Isso nada mais é do que uma desativação do neocórtex, algo muito necessário para que o trabalho de parto possa culminar no parto.

Embora a descarga de adrenalina seja muito necessária para o parto, ela não deve ocorrer antes da hora exata. Da mesma forma, o neocórtex deve ser protegido de todas as formas possíveis de estímulos, para que o parto possa se concentrar no cérebro primitivo e se desenvolver da melhor forma possível.

Dentre os fatores que estimulam o neocórtex podemos citar:

a) Luz: A luz forte é um grande estímulo para o cérebro; o melhor é deixar a parturiente na penumbra, ou com uma luz fraca por perto.

b) Linguagem: A linguagem é um processo comandado pelo neocortex. Deve-se garantir o máximo de silêncio possível para a mulher parindo, e não ficá-la agredindo com ordens como: Faça força! Pare de gritar! etc.

c) Fome e Frio: Sentir fome ou frio faz os níveis de adrenalina no sangue aumentar. A parturiente pode e deve comer, se quiser; e deve encontrar-se em um ambiente aquecido, principalmente porque em certo estado do parto, o toque da pele com o tecido tende-se tornar algo insuportável.

d) Segurança: Toda situação que estressa a parturiente, que a ponha cara a cara com o desconhecido causará liberação da adrenalina antagonista do parto. A presença de pelo menos uma pessoa escolhida por ela durante o trabalho de parto, parto e puerpério imediato, além de lei, é de grande auxilio para o bom andamento do processo.

e) Privacidade: A tendência humana de “corrigir a postura” quando se sente observado é uma atividade controlada pelo neocórtex. Todos os mamíferos necessitam de privacidade e segurança para parir, e o mesmo ocorre com as mulheres.

Nos animais, por exemplo, que possuem os mesmos ritmos circadianos que seus predadores há a tendência de parir quando os inimigos estão dormindo; ou seja, as ratas que são animais noturnos costumam parir de dia, enquanto as éguas, que são animais diurnos, costumam parir à noite.

6. AS INTERVENÇÕES

Sempre que a parturiente não tem suas necessidades respeitadas, o parto é prejudicado de alguma forma, seja com o aumento da intensidade das dores, seja com parada de progressão ou com redução da abertura uterina. O orifício uterino tem o tamanho de uma cabeça de palito de fósforo, e deve alcançar uma dilatação de dez centímetros para que o bebê consiga passar.

Infelizmente, são poucos os profissionais que têm conhecimentos sobre os fatores que influenciam negativamente um parto normal, e para apressar um desfecho, apelam para medidas amplamente difundidas nas academias, e que acabam prejudicando ainda mais o parto.

Dentre as intervenções mais comuns, podemos citar:

a) Posição de litotomia: O peso do útero comprime a veia cava resultando em menor oxigenação para o bebê, o que pode levar ao sofrimento fetal.

b) Limitação dos movimentos: Quando obrigada a permanecer na posição ginecológica, as dores da paciente tendem a se multiplicar, chegando mesmo a se tornarem insuportáveis. Se tiver as pernas para cima, amarrada ou apoiada em perneiras, a força que poderia ser muito útil no expulsivo é diminuída consideravelmente, e pode haver compressão das veias da mulher, o que resulta em perda da sensibilidade das pernas ou até mal-estar.

c) Ocitocina sintética: Ao ser ministrada, a ocitocina sintética faz com que as contrações deixem o seu ritmo natural e tomem um ritmo alucinante, aumentando potencialmente as dores para a mulher e aumentando as chances de sofrimento fetal.

d) Epidural: A mulher pode deixar de sentir as contrações e não terá consciência da hora “de fazer força”, o que acarreta o uso de fórceps e de episiotomia. O uso do anestésico pode prejudicar o bebê.

e) Episiotomia: Já foi provado, por vários estudos, que o corte realizado no períneo não tem a função protetora que se acreditava. Uma episiotomia aumenta a perda sanguínea de 300 ml para 500 ml. Quando epissiorrafada de maneira incorreta pode causar deformação na vagina, dor ao se sentar, evacuar e durante o ato sexual, perda do controle urinário, etc.

f) Obrigação do jejum de líquidos e alimentos: A mulher pode e deve ser alimentada e hidratada durante seu trabalho de parto, se assim se sentir confortável. A falta de alimentos e líquidos pode levar à desidratação, perda da força, hipoglicemia e desmaio.

7. O PAPEL DA DOULA – O ALIVIO QUE VEM DE FORA PARA DENTRO

A doula, quando bem treinada e ciente de seu papel, pode oferecer conforto psicológico, físico e emocional para a parturiente, bem como alívio das dores, dos medos e das desconfianças.

Uma doula deve ter em mente que o termo fisiológico não significa um padrão a que todos os partos devem obedecer, mas sim, um parâmetro ao qual não convém se afastar demasiadamente, pois esse afastamento pode trazer conseqüências.

Para poder ajudar de forma eficiente, a doula deve respeitar toda a carga que a mulher trás consigo: suas crenças pessoais, suas experiências e seus medos, sem se esquecer de todo o contexto social e cultural envolvidos neste parto.

Uma boa profissional orienta, tira as dúvidas, conversa sobre os medos e as expectativas sobre o parto, procurando sempre manter os pés da gestante no chão, para que esta não se aliene e acabe sonhando com algo que possa ser impossível.

Respeitar os desejos da parturiente, apoiar suas decisões, dar apoio emocional quando esta parece estar sendo vencida pelas dores é um dos vários trabalhos de uma profissional desta área; porém, tomar decisões de cunho médico, receitar medicamentos, brigar com a equipe médica por não concordar com um procedimento ou mesmo realizar o parto não compete à doula, pois estas não recebem treinamento deste tipo.

Da mesma forma que a boa doula deve ser o mais invisível possível, apoiando, acolhendo e incentivando a gestante, ela também deve ter em mente que sua presença pode ser dispensada pela parturiente a qualquer momento, atitude que ocorre, principalmente, pelas grandes variações hormonais do instante do parto.

A profissional possui, entre seus conhecimentos básicos, artifícios para diminuição da dor, através de massagens, vocalizações, vizualizações, aromaterapia, musicoterapia, entre outras terapias alternativas não-farmacológicas. Se a acompanhante tiver alguma formação acadêmica, como na área da Psicologia, Fisioterapia, Acupuntura, etc., pode usar seus conhecimentos também.

Sugerir posições variadas, para que a gestante possa assumir durante o trabalho de parto também está entre as competências de uma doula. Cada posição trás consigo uma carga que influencia de certa forma o feto e a mãe. Algumas auxiliam na rotação desimpedida do bebê, outras ajudam o colo uterino a se abrir com mais facilidade, outras ainda, proporcionam descanso para a parturiente, rotura natural da bolsa, melhora da oxigenação fetal, etc.

O mais importante no papel de uma doula é possuir um enorme respeito pela mulher que está ajudando, pela criança que está nascendo e pelo momento sagrado que está participando. O protagonismo do parto é totalmente da mulher e do bebê, a doula é apenas um apoio.

Para quem está assistindo, pode ser apenas mais um parto, mais uma criança que chega ao mundo; mas para quem está parindo e para quem está nascendo, é um momento único, com uma carga emocional muito grande, e que trará conseqüências físicas, psicológicas e espirituais que os acompanharão para o resto de suas vidas.

http://www.amigasdoparto.org.br/2007/index.php?option=com_content&task=view&id=1328&Itemid=204

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