quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Alerta Terapêutico CVS - 07/07/2004 - Conjuntivite química em neonatos/ COMUNICADO SETOR DE FARMACOVIGILÂNCIA ALERTA TERAPÊUTICO - 07/04





Os dados:
Em junho de 2003, durante o processo periódico de revisão das fichas de notificação de suspeitas de reações adversas a medicamentos enviadas ao Setor de Farmacovigilância do Centro de Vigilância Sanitária do Estado de São Paulo - SFV-CVS-SP, evidenciou-se um elevado número de conjuntivites químicas associadas ao uso do nitrato de prata, inicialmente provenientes de um único serviço. Após descartar a hipótese de queixa técnica ou de administraçãoinadequada, esse achado foi comunicado aos demais hospitais participantes do Programa de Farmacovigilância Hospitalar do SFV-CVS-SP a fim de estimular a notificação de casos semelhantes a partir de outros serviços, com o duplo objetivo de identificar características comuns nos casos de conjuntivite neonatal, e de promover uma discussão sobre o uso profilático do nitrato de prata.
A revisão das fichas de notificação de eventos adversos feita pelo SFV-CVS-SP incluiu todas as notificações recebidas entre 01/03/2003 até 31/03/04, período do estudo.
No período de estudo (13 meses) o SFV-CVS-SP recebeu um total de 4,552 notificações de suspeitas de reações adversas a medicamentos provenientes de profissionais da saúde que atuam nos hospitais participantes do Programa, sendo 622 notificações (13.7%) relativas a conjuntivite química (CjQ) após administração de nitrato de prata como profilaxia de conjuntivite infecciosa.
As primeiras 33 notificações vieram entre março e maio de 2003. A Tabela 1 mostra a distribuição temporal dessas notificações; um evidente aumento do número de notificações de CjQ ocorreu após outubro de 2003 (504 das 622 notificações). Isso não significa um incremento dos casos de CjQ, mas sim uma maior atenção prestada a um problema já existente no Brasil e bem conhecido.
Tabela 1. - Distribuição temporal das notificações hospitalares de suspeitas de reações adversas a medicamentos recebidas no SFV-CVS-SP.

Mês - Conjuntivite Química (n) - Total (%) - Notificações Hospitalares (n - %)
Março 2003 - 9 - 1.4 - 108 - 2.4
Abril 2003 - 17 - 2.7 - 231 - 5.1
Maio 2003 - 7 - 1.1 - 219 - 4.8
Junho 2003 - 16 - 2.6 - 278 - 6.1
Julho 2003 - 16 - 2.6 - 410 - 9.0
Agosto 2003 - 23 - 3.7 - 368 - 8.1
Setembro 2003 - 30 - 4.8 - 458 - 10.1
Outubro 2003 - 53 - 8.5 - 558 - 12.2
Novembro 2003 - 91 - 14.6 - 486 - 10.6
Dezembro 2003 - 106 - 17.0 - 454 - 10.0
Janeiro 2004 - 68 - 10.9 - 294 - 6.5
Fevereiro 2004 - 81 - 13.1 - 322 - 7.1
Março 2004 - 105 - 17.0 - 366 - 8.0
Total - 622 - 100.0 - 4552 - 100.0


A análise das notificações de CjQ evidencia que do total de 622 relatos, 51,9% eramde crianças do sexo masculino, e 43,1%, do sexo feminino; em 31 casos (5.0%) a notificação não informava o sexo do paciente. A distribuição da idade dos casos notificados mostra que em 367 (59,0%) pacientes o diagnóstico foi feito com um dia de vida e em 119 (19,1%) casos, com dois dias de vida. Em 57 (9,2%) neonatos o diagnóstico foi feito antes das 24 horas pós-parto, e em 20 (3,2%) pacientes o diagnóstico foi feito entre 3 e 5 dias pós-parto. Em 59 (9,5%) relatos não havia informação sobre a idade do paciente no momento do diagnóstico da CjQ.
A maioria das notificações descreveu apenas uma única reação adversa ocular, "conjuntivite química" (536 notificações, ou seja, 86,2%). As outras 86 notificações relataram 117 reações adversas oculares: secreção ocular (76 notificações), edema ocular ou de pálpebras (29 notificações) e hiperemia ocular (12 notificações).


A revisão da literatura científica

O nitrato de prata solução ocular 1% para profilaxia de conjuntivite neonatal aparece na última revisãoda Lista Modelo de Medicamentos Essenciais da Organização Mundial da Saúde (2003)(1), acompanhado da observação que a manutenção deste medicamento na Lista será revista em próxima reunião do Comitê de Especialistas, uma vez que tanto sua eficácia como sua segurança têm sido questionadas.

obstetra alemão Carl Siegmund Franz Credé introduziu a técnica de limpar os olhos dos recém-nascidos com uma solução de nitrato de prata em 1881(2). Desde então a assim chamada profilaxia de Credé reduziu de modo espetacular a prevalência da oftalmia neonatal, uma doença infecciosa ocular do recém-nascido que leva à cegueira, transmitida pela mãe à criança durante o parto. É amplamente reconhecido que a profilaxia de Credé evitou cegueira e distúrbios visuais em todo o mundo ao longo do século XX (3).
Na época de Credé, o mais importante agente causador da oftalmia neonatal (ON) era a Neisseria gonorrheae. Hoje, porém, o mais importante patógeno sexualmente transmitido é provavelmente a Chlamydia trachomatis. O risco de cegueira após infecção gonocócica é elevado, e aquele após infecção por clamídia é baixo. A incidência mundial de ON não é conhecida (4-5), e a prevalência de infecções sexualmente transmissíveis difere muito de estudo para estudo. No Brasil há alguns estudos sobre o tema abordando populações selecionadas. Por exemplo, em área rural do estado de Alagoas foi registrada a prevalência de 6% de infecção simultaneamente por N. gonorrhoea e C. trachomatis na população feminina (6). Cifras mais elevadas foram registradas em populações mais selecionadas como ocorreu em Manaus, onde entre 121 mulheres que procuraram atendimento por DST registrou-se prevalência de 21% de infecção por C. trachomatis (7). Em outro estudo realizado entre 200 mulheres que procuraram uma unidade para atendimento de HIV na região central da cidade do Rio de Janeiro, a prevalência de infecção por clamídia foi 8% e a de gonorréia foi de 9,5% (8). Em Campinas entre 407 mulheres atendidas em uma clínica de planejamento familiar foi observada uma prevalência de 7% de infecções por clamídia (9). Uma revisão publicada recentemente incluindo 16 estudos brasileiros, a prevalência de Chlamydia variou de 0,6% a 20,2% (10). Embora variável, a prevalência de infecção desses patógenos não é desprezível.
Estado atual do conhecimento da relação entre oftalmia neonatal (ON) e flora vaginal
Uma resolução da 56ª Assembléia Mundial da Saúde realizada em 2003 definiu que os Países Membros deveriam se comprometer a apoiar a Iniciativa Global para Eliminação da Cegueira Evitável lançando a nível nacional o plano Visão2020: o direito à visão (11). Estima-se que a ON provoque anualmente cegueira em mais de 10,000 recém-nascidos ao redor do mundo (12).
Poucos estudos brasileiros abordaram a ON. Um deles foi realizado em Pernambuco, acompanhando de modo prospectivo 3.280 neonatos de três maternidades públicas, registrando uma incidência de 3% de conjuntivite infecciosa (13). Este estudo mostrou também que cerca de 15% das mães apresentaram vulvovaginite ou infecção de trato urinário durante a gravidez, sem dar informação sobre o patógeno envolvido (13). Outro trabalho avaliou retrospectivamente 20 recém-nascidos admitidos em uma unidade de tratamento intensivo de um hospital público de São Paulo com diagnóstico de conjuntivite e/ ou pneumonia por Chlamydia trachomatis; os autores identificaram conjuntivite em 17 dos 20 pacientes, sendo que 12 pacientes tinham associação de pneumonia e conjuntivite (14). Os dados levaram os autores a discutir as lacunas no conhecimento da eficácia da profilaxia com o nitrato de prata tópico ou com a eritromicina.

Agentes profiláticos

Com relação à profilaxia da ON, embora a recomendação de Credé de instilar no saco conjuntival uma gota de nitrato de prata 1% continue a ser amplamente seguida, alguns prós e contras têm surgido e outros agentes têm sido propostos. Um dos principais argumentos contra a técnica é a ocorrência de CjQ, uma reação adversa freqüente e na maioria dos casos leve, embora formas mais graves possam ocorrer em até 20% dos casos (15). Há trabalhos clássicos comparando a incidência de conjuntivite com e sem a profilaxia com nitrato de prata, publicados antes de 1980 (16,17).
A pomada de tetraciclina 1% mostrou-se igualmente eficaz na prevenção da ON associada tanto com infecção gonocócica como por clamídia, quando comparada ao nitrato de prata. Outra opção de tratamento foi avaliada recentemente em um ensaio cego aleatório comparando solução de povidona 2,5% com solução de nitrato de prata 1% e pomada de eritromicina 0.5%. Os resultados mostraram que além de a povidona produzir menor freqüência de efeitos adversos oculares que o nitrato de prata, os pacientes tratados com povidona tiveram menor incidência de infecções por C. trachomatis (18). Alguns autores pedem maior atenção para a aplicação de dose única de solução de povidona 2,5%, argumentando que, quando comparado ao nitrato de prata, esse agente é mais eficaz contra Chlamydia, não produz CjQ, não se concentra por evaporação do solvente como pode ocorrer em climas quentes, e é mais barato (19).

Propostas
Objetivo
1. Documentar quais são os problemas infecciosos entre as mulheres grávidas no Estado (ou seja: é muito freqüente a Chlamydia?).
2. Documentar qual é o uso real do nitrato de prata nos hospitais e berçários do Estado (Quantos usam? Quantos não usam mais? Quantos têm problemas?).
3. Avaliação da possibilidade de uso de alternativas que tem evidência de eficácia, especificamente povidona 2,5%, que não tenham um perfil de reações adversas desfavoráveis e com um custo adequado.


Referências
[1] WHO Model List... http://mednet3.who.int/eml/eml_intro.asp
[2] Credé CSF. Die Verhütung der Augenentzündung der Neugeborenen. Arch Gynakol 1881;18:367-70. (German original facsimile and English translation reprinted in: Bulletin of the World Health Organization 2001;79:264-6.)
[3] Schaller UC, Klauss V. Is Credé's prophylaxis for ophthalmia neonatorum still valid? Bulletin of the World Health Organization 2001; 79:262-266.
[4] Anonymous. The resolution of the World Health Assembly on the elimination of avoidable blindness. Community Eye Health 2003; 16:17.
[5] Isenberg SJ, Apt L. The ocular application of povidone-iodine. Community Eye Health 2003; 16:30-1.
[6] Endriss D, Ventura LM, Diniz JR, Celino AC, Toscano J. Doenças oculares em neonatos. Arq Bras Oftalmol 2002;65:551-5.
[7] Whitcher JP, Srinivasan M, Upadhyay MP. Corneal blindness: a global perspective. Bulletin of the World Health Organization 2001;79:214-221.
[8] Muñoz B, West SK. Blindness and visual impairment in the Americas and the Caribbean. Br J Opthalmol 2002;86:498-504.
[9] de Lima V, Torres AM, Gazzaneo F, et. al. Sexually transmitted infections in female population in rural north-east Brazil: prevalence, morbidity and risk factors. Tropical Medicine and International Health 2003; 8:595-603.
[10] Santos C, Teixeira F, Vicente A, Astolfi-Filho S. Detection od Chlamydia trachomatis in endocervical smears of sexually active women in Manaus, Brazil, by PCR. Brazilian Journal of Infectious Diseases 2003;7:91-5.
[11] Cook RL, May S, Harrisson LH, et al. High prevalence of sexually transmitted diseases in young women seeking HIV testing in Rio de Janeiro, Brazil. Sexually Transmitted Diseases 2004;31:67-72.
[12] Teles E, Hardy E, Oliveira UM, Elias CJ, Faúndes A. Reassessing Risk Assessment: limits to predicting reproductive tract infection in new contraceptive users. International Family Planning Perspectives 1997;23:179.182.
[13] Miranda AE, Gadelha AMJ, Passos MRL. Impacto da infecção pela Chlamydia trachomatis na saúde reprodutiva. J Bras Doenças Sex Transm 2003;15:53-8.
[14] Vaz FAC, Ceccon MEJ, Diniz EMA. Infecção por Chlamydia trachomatis no período neonatal: aspectos clínicos e laboratoriais. Experiência de uma década: 1987-1998. Rev Ass Med Brasil 1999;45:303-11.
[15] Anonymous. Micromedex.
[16] Nishida H, Risemberg HM. Silver nitrate ophtalmic solution and chemical conjunctivitis. Pediatrics 1975;56:368-73.
[17] Hackenberger F. xxx. In Meylers 13th edition. 778-9
[18] Isenberg SJ, Apt L, Wood M. A controlled trial of povidone-iodine as prophylaxis against opthalmia neonatorum. N Engl Med J 1995;332:562-6.
[19] Foster A, Klauss V. Opthalmia neonatorum in developing countries. N Engl J Med 1995;332:600-01.

O relato / notificação de eventos adversos é confidencial e não poderá resultar em ação legal contra o profissional de saúde que o fez. Na dúvida se a manifestação clínica é ou não um evento adverso,
Notifique!Centro de Vigilância Sanitária-Setor de Farmacovigilância
Endereço: Av. São Luís, 99 - 5º Andar - São Paulo - S.P. - CEP 01046-001.
Telefone: 3257-7611 - Ramal 1906-1507 Fax: 3214-4334
e-mail:
peri@cvs.saude.sp.gov.br
farmacovig@cvs.saude.sp.gov.br


RetificaçõesDo D.O. de 25-3-2004
Onde se lê: Extrato do 4º Termo Aditivo, leia-se:
Extrato do 5º Termo AditivoDo D.O. de 30-5-2002
Onde se lê: Jumac, leia-se: Jumaq

Fonte: Diário Oficial do Estado; Poder Executivo, São Paulo, SP, nº 126, 6 jul. 2004. Seção 1, p. 20-1












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