“A amamentação é manifestação pura de nossos aspectos mais ancestrais e selvagens que remetem à memória filogenética de nossa espécie. Para dar de mamar só necessitamos passar quase todo o tempo desnudas, sem largar nossa cria, imersas em um tempo fora do tempo, sem intelecto, nem elaboração de pensamentos, sem necessidade de nos defendermos de nada e de ninguém, somente submersas em um espaço imaginário e invisível para os demais. Isso é dar de mamar. É deixar aflorar nossos lugares ancestralmente esquecidos ou negados, nossos instintos animais, que surgem sem imaginar que estavam guardados em nosso interior. É deixarmo-nos levar pela surpresa de nos ver lamber nossos bebês, de cheirar a frescura de seu sangue, de jorrar entre um corpo e outro, de se converter em corpo e fluídos dançantes. Dar de mamar é despojar-se das mentiras que temos contado em toda nossa vida, sobre quem somos ou quem deveríamos ser. É estar desprovidas, poderosas, famintas como lobas, como leoas, como tigresas, cangurus-fêmeas, como gatas, muito relacionadas com as mamíferas de outras espécies em seu total apego por sua cria, descuidando-se do resto da comunidade, mas milimetricamente atentas às necessidades deste recém-nascido”.
Laura Gutman – traduzido por Luciana Carvalho
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